Taylor Swift e a arte do Storytelling: Como construir uma narrativa.
As vantagens de narrar histórias com elementos visuais e metafóricos através de composições.
Nove álbuns divididos em particularidades apresentadas entre o crescimento pessoal e lírico, Taylor Swift é a maior storyteller de sua geração. Nomeada artista da década por vários motivos, no oitavo álbum, Folklore (2020), lançado durante a pandemia do COVID-19 e totalmente independente, o nível de composição da cantora elevou em patamares de criatividade e se livrou das amarras anteriores de romance; se tornando o primeiro projeto completamente feito em moldes de imagens e ficção.
Em um ensaio de explicação do Folklore, Taylor comentou que a primeira ideia partiu de imagens que vieram em sua mente e despertaram sua curiosidade; desde “você desenhou estrelas ao redor das minhas cicatrizes” até “o sol encharcado de Agosto” que mais tarde deu origem a letra de august e foi bebido como uma garrafa de vinho. Todos os elementos visuais presentes no oitavo álbum de estúdio contribuíram para a construção de personagens, com eles ‘rostos’ e diferente de outros projetos como Lover (2019) e 1989 (2014), as histórias contadas no álbum inédito são pontos de vista da própria cantora e partem, também, da perspectiva de pessoas que fizeram parte de sua trajetória.
Uma das características principais de Taylor é introduzir sentimentos através de cores, muito comum em letras a partir do álbum Red (2012); sete anos depois na música Daylight que fecha o ciclo Lover e inicia a jornada de álbuns metafóricos: “eu acreditava que o amor era vermelho ardente, mas é dourado”, parafraseando Red: “amar ele era vermelho ardente”. Quando uma imagem comparativa aparece em canções escritas como ‘respostas’ ao desenvolvimento e amadurecimento da artista, o elemento visual é a chave para a construção da narrativa. Ao longo dos anos, metáforas utilizando cores se tornaram comuns nas composições de Taylor, mas, como se tornar uma storyteller por intermédio de uma paleta?
Fase 1: Identidade Visual.
Enquanto a maioria dos clipes contam com recursos que compõem a caracterização visual, os dois últimos trabalhos, Folklore e Evermore, não possuem uma identidade derivada de uma paleta de cores. Possuindo um único single cada, cardigan e willow, a descrição é feita em metáforas.
A utilização de globos de discoteca em mirrorball para criar uma relação entre espelhos e holofotes; o artifício de “verão” na música august para ambientar quando e onde a história acontece; o uso de “piratas” em seven para apresentar o sentimento de coragem e liberdade; “lágrimas que ricocheteiam” como símbolo de uma ação reflexa em my tears ricochet. As comparações dentro do Folklore entre cardigan e hoax: “você desenhou estrelas ao redor das minhas cicatrizes” e “você sabe que ainda dói por baixo das minhas cicatrizes” criam uma familiaridade com a identidade visual do álbum em contraste com as ‘técnicas de fotografia’.
Em champagne problems, as metáforas acontecem de maneira sutil: “one for the money, two for the show, I never was ready so I watch you go” (a primeira frase é retirada de uma contagem regressiva muito comum entre crianças de meados de 1800), a referência é a rima em conjunto com a recusa do pedido de casamento; “ela vai remendar a tapeçaria que eu rasguei” em simbolização ao coração partido e o término do relacionamento inserindo outra pessoa no lugar do personagem principal da música, da perspectiva de Taylor, como uma maneira de reconstrução. Já em “willow”, Taylor incorpora o salgueiro como metáfora a melancolia; os galhos longos e finos são chamados de “salgueiros chorões” por parecerem lágrimas; em ivy a caracterização metafórica e visual é representada, também, por uma planta que desde a raíz cresce infindável: “pare de colocar suas raízes em minha terra dos sonhos, minha casa de pedra, sua hera cresce e agora estou coberta de você”; em paralelo com the lakes: “eu quero ver wisteria crescer bem sobre os meus pés”, a “wisteria” pode viver até cem anos, o que simboliza sabedoria eterna e longevidade. Comum na China, Coréia e Japão, as árvores podem ser pequenas ervas daninhas ou tomar proporções enormes; na simbologia chinesa representa aventura, enquanto na interpretação vitoriana é um aviso contra um amor excessivamente apaixonado que é sinônimo de uma natureza sufocante. Taylor introduz nessa frase a vontade de não-movimento, assim como em “minha casa de pedra” em metáfrase a “terra dos sonhos”.
Fase 2: Cores.
No clipe de Lover, a paleta de cores aparece visualmente. Em Red: “amar ele era azul como eu nunca vi, sentir a falta dele era cinza escuro, sozinho, esquecê-lo era como tentar conhecer alguém que você nunca viu mas amá-lo era vermelho”. A cor vermelha nas composições de Taylor são sempre reforçadas por tons fortes (quase ardentes), a representação dos sentimentos na cor azul e cinza, enquanto os tons azuis são associados à tristeza, as variáveis do cinza são entendidos como solidão. A diferença entre “loneliness” (alone) e “solitude” (lonely) é o estado em que as emoções estão caracterizadas, loneliness é marcado pela sensação de isolamento, solitude é ser solitário mas não necessariamente estar sozinho.
Em entrevista ao Good Morning America, Taylor descreveu a canção como emoções muito intensas e a intensidade, para ela, é vermelha. A construção da narrativa em Red também segue o fator cronológico, no começo “loving him was red” e na ponte (ligação das seções na letra) “burning red”; a transição de um vermelho comum para o ardente é antecipado pelo verso “mas seguir em frente é impossível quando eu ainda vejo tudo na minha mente em vermelho ardente (queimando em vermelho)”, a simbologia da canção que representa o desenvolvimento entre paixão e amor.
No álbum reputation (2017), a música “Dancing With Our Hands Tied” tem como definição metafórica: “meu amor foi congelado, azul profundo mas você me pintou de dourado”; o azul profundo como representação visual do amor congelado enquanto dourado significa um amor prospero. A rima tradicional de casamento: “something old, something new, something borrowed, something blue”, tem um paralelo com as canções Lover: “meu coração foi emprestado e o seu foi azul”; Cruel Summer: “é azul, o sentimento que eu tenho”; something old: algo antigo, something new: algo novo, something borrowed: sorte e something blue: pureza ou amor.
Em Daylight, Taylor desconstrói toda a narrativa de amor romântico que existiu entre Red e reputation, “eu acreditava que o amor podia ser vermelho ardente mas é dourado”, a caracterização de amor pela cor vermelha tem relação com um romance idealizado e uma paixão avassaladora, em contrapartida o amor representado pela cor dourada tem conexão com um amor estável e realista.
Fase 3: Representação.
Em comparativo com os acontecimentos que antecederam o reputation, entre 2016 e 2017, na música “Call It What You Want” a narrativa é construída através de metáforas que detalham um renascimento; o amadurecimento e ascenção de Taylor como artista. “me ama como se eu fosse nova em folha”, “você não precisa me salvar, mas você fugiria comigo?” são representações da antiga e atual imagem de Taylor na indústria musical; salvá-la e fugir de sua própria reputação.
No prólogo do reputation: “essa é a primeira geração que poderá relembrar toda a sua história de vida documentada em fotos”. Em 1849, a corrida de ouro contou com migrações de mineiros para a California em busca de enriquecimento, a canção “gold rush” é uma alusão a romantização antecipada de um futuro com alguém que você rapidamente se apaixonou. “eu não gosto de antecipar o meu rosto em rubor vermelho”, “eu não gosto de câmera lenta, visão dupla em rosa blush”. A utilização de imagens para caracterizar as interações são representadas pelo rubor vermelho no rosto, que sucede um elogio; a câmera lenta em relação a se apaixonar desesperadamente; visão dupla em rosa é enxergar através de óculos cor de rosa, uma maneira de ver apenas os pontos positivos de alguém consequentemente tornando essa visão algo irrealista.
Em cowboy like me: “você me pediu para dançar mas dançar é um jogo perigoso”. A imagem de dança nas músicas de Taylor apresentam a vulnerabilidade e se abrir para outra pessoa (honestidade). O desenvolvimento desse verbo desde Fearless (2008) até o Evermore, amadurece junto com as composições da cantora. Em Fearless: “eu não sei porquê mas por você eu dançaria em uma tempestade, no meu vestido favorito, sem medo”, as imagens também evoluem como uma maneira de representar a “garota inocente que idealiza um amor romântico” e a “mulher que se contenta com um amor realista”. No livro “A personagem de ficção” o sociólogo Antônio Candido evidencia os dois tipos de conexão que se pode ter com um personagem; o primeiro se trata dos sentimentos empáticos; o segundo é a contemplação. A empatia, nesse caso, se refere a estarmos dispostos a viver, de fato, o que o personagem está passando, enquanto a contemplação está relacionada a entender que o personagem é fictício e mesmo que sentirmos na pele as suas experiências, essas, ainda sim, continuam sendo ficção. Enquanto a imagem jovem de Taylor desde o seu álbum de estréia até o Lover é a representação de uma conexão empática, dentre o Folklore e o Evermore, a interpretação é contemplativa.
Em “Dancing With Our Hands Tied”: nós estávamos dançando de mãos atadas. A dança é uma forma de expressão e nas composições de Taylor ela se apresenta como o sentimento de fragilidade. Estar de ‘mãos atadas’ com o corpo em movimento simboliza a falta de controle.
Na música “All Too Well” o discurso de Taylor é dividido entre partes de uma história: prólogo, enredo e epílogo; é uma reflexão sobre o relacionamento que torna o ouvinte parte da composição. “Eu entrei pela porta com você, o ar era gelado, mas algo sobre isso fez parecer como um lar”, é introdução da narrativa que exprime os sentimentos do lírico; entrar por uma porta enquanto está frio e dentro se sentir em casa é uma metáfora de Taylor para inserir suas emoções perante os acontecimentos da música. Assim como a sinestesia é a relação sensorial que combina várias sensações humanas em uma única representação. “You almost ran the red” que pode ser entendido como “ultrapassou o sinal vermelho” é citado por Taylor em uma ilustração de que o reencontro na canção foi um susto que quase ocasionou uma tragédia.
O “amantes que arriscam tudo para estarem juntos” é um tema recorrente nas composições de Taylor. Em “All Too Well” quando a letra diz: “Aqui estamos nós de novo, no meio da noite, dançando ao redor da luz do refrigerador” é a representação de um momento íntimo, assim como outras linhas da música que incorporam pequenos instantes proibidos. Ainda interligando a sinestesia nas canções de Taylor, o uso de elementos como “semáforos” para exemplificar combinações sensoriais sobre relacionamentos, na entrevista para a Wonderland Magazine: “Relacionamentos são como luzes de trânsito” e ela só existe se estiverem “na luz verde”. A luz verde tem como significado um impulso ou uma permissão para seguir em frente. “Lost in Translation” significa que a qualidade de algo foi perdida na tradução, nesse caso, Taylor quer dizer a linguagem do amor existente em sua percepção; os dois se perderam quando ela pediu demais dentro do relacionamento.
Na frase “E eu sou um papel amassado jogado aqui”, Taylor se refere a ser o rascunho inacabado depois do término. “O tempo não vai voar, é como se eu estivesse paralisada. Gostaria de ser quem eu era antes mas ainda estou tentando encontrá-la”. A narrativa muda para mostrar o quanto essa relação pouco duradoura mudou drasticamente Taylor de maneiras que ela não previu, parafraseando “Invisible String”: Tempo, místico tempo, me cortando e me curando”, oito anos depois, no álbum Folklore. A nostalgia presente na atmosfera da música não é o único elemento sensorial que Taylor introduz em “All Too Well”: Porque isso te lembra da inocência e tem o meu cheiro; a alusão de que a saudade é palpável naquela peça de roupa. O epílogo da música está entre o último refrão e “outro” que se refere a conclusão da canção em questão e que toca até que desapareça. “Volte antes que você perca a única coisa verdadeira que teve. Isso foi raro, eu estava lá” e “Você lembra de tudo”.
No poema “Why She Disappeared”, Taylor comenta a sua queda e ascenção: “e na morte de sua reputação, ela se sentiu verdadeiramente viva”. A identidade visual que inicia a trajetória do reputation é a mesma que desencadeia a carreira de Taylor Swift como a maior storyteller de sua geração.