Ending Scenes e a importância de cada uma para a construção da história dos filmes — Com Spoilers.
Mommy (2014), La La Land (2016), Call Me By Your Name (2017), Moonlight (2016), Sound of Metal (2019) e The Florida Project (2017).
Mommy, é certamente um dos maiores trabalhos do diretor canadense Xavier Dolan, conhecido também por filmes como: I Killed My Mother (2009), Heartbeats (2010) e Laurence Anyways (2012).
A cinematografia de Mommy ficou por conta de André Turpin.
Apesar do filme não ser o mais feliz de todos e contar a história de Diane e Steve Després, mãe e filho, os problemas de comportamento explosivo do jovem, a batalha de Diane para ser a “mãe” exemplo, e a chegada de Kyla, vizinha que consegue tornar os dias da pequena família melhores ajudando a trazer felicidade para a vida de Steve e Diane.
Em consideração com o roteiro trágico, Xavier e André conseguiram trazer à tona picos de luz e cor para dentro do universo Mommy, contrastando com a atuação Antoine Oliver e Anne Dorval nos papéis principais. As cenas mais tocantes, antes do final épico: Steve indo ao supermercado de skate enquanto ouve música em seus fones, na volta, o caminho é feito com o carrinho e o skate preso na parte debaixo dele, a primeira sensação de liberdade e conexão com o personagem que Xavier nos apresenta; a cena de Steve, Diane e Kyla andando de skate e bicicleta (respectivamente), enquanto a câmera foca somente em Steve e à medida em que ela se afasta no formato 1:1, seus braços fazem o mesmo, dando uma sensação de abertura onde finalmente se torna fullscreen; a cena do Karaokê, as luzes são em tom azul neon, e temos um contato muito íntimo com a mente de Steve e como ela funciona antes de um de seus surtos violentos; a cena ao som de Experience, de Ludovico Einaudi, onde Diane imagina todo o futuro de Steve.
A última cena do filme é ideal para construir a imagem que Xavier tenta nos mostrar durante todo o filme.
Com a câmera indo de back shot to front shot, vemos Steve fugindo do quarto do hospital onde foi internado, ao som de Born to Die — Lana Del Rey.
Esse filme trata da liberdade dos personagens e a busca de cada um por esse sentimento. E vendo a cena final onde Steve está correndo pelos corredores com dois funcionários atrás, percebemos que ela é incessante quando se trata desse personagem. Steve não teve uma história feliz, mas momentos felizes foram proporcionados graças aos esforços das pessoas ao redor dele para que tudo isso pudesse acontecer. Xavier nos envolve em uma atmosfera triste, onde cada frame, cor e movimento de câmera serve para retratar o caminho de Steve em busca da liberdade e do amor e carinho de Diane. E embora Diane seja a figura materna de sangue, Kyla consegue extrair do jovem características, emoções e sentimentos que nem mesmo Steve sabia que tinha.
Diferente de outras cenas finais, o uso da cor azul como resultado da melancolia não foi necessário, mesmo sendo parte do contexto e estética do filme.
La La Land foi o segundo projeto do diretor americano Damien Chazelle, vencedor do Oscar de Best Cinematography em 2017.
O roteiro feito exatamente para Emma Stone e Ryan Gosling interpretarem Mia e Sebastian deixou explícito que essa não é uma história de amor. Dois artistas de diferentes nichos, música e cinema, se encontram no verão de Los Angeles e discutem sobre suas paixões e sonhos. E por que não é uma história de amor?
Acredito que La La Land esteja perto do que o amor realista significa, e o final é o elemento surpresa e essencial para que essa narrativa seja construída. É muito interessante ver os anseios e desejos de dois artistas que estão em patamares diferentes na carreira, como Sebastian que entra em turnê com uma banda de Jazz enquanto Mia não conseguiu o papel dos sonhos. Outra coisa interessante além dessa febre eletrizante de um amor que não dá certo, existem os paralelos entre o que eles são e o que poderiam ter sido.
Aqui, Damien queria que o uso das cores azuis, rosa e roxo fossem predominantes, e isso entregou todos os sentimentos escondidos nas atuações incríveis de Emma e Ryan.
Os últimos nove minutos contam com uma realidade alternativa, uma espécie de déjà vu, onde vemos Mia e Sebastian juntos e realizando os seus maiores sonhos: Estrelar um filme de sucesso e Abrir um bar de jazz onde o rock é predominante. Embora seja uma cena bonita que nos leva direto ao Seb’s, ela acontece dessa exata maneira, porém Mia está casada com outro homem e Sebastian é um músico renomado em Los Angeles.
Na cena em que Mia está saindo do Seb’s após a apresentação dele de City of Stars, os dois se olham. As cores que focam em Sebastian são rosa e roxo, enquanto o fundo está em azul. As cores que focam em Mia são azul e rosa, enquanto o fundo é roxo.
A cor rosa no cinema tem como fundamento a demostração de sentimentos como: inocência, felicidade e amor. Enquanto o roxo representa: intimidade, sensibilidade e transformação. E o azul: confiança, estabilidade e harmonia.
Antes de uma história de amor, temos uma história de paixão pela arte e o quão dispostos os personagens estão à abrir mão disso um pelo outro, algumas características de Growing in Love estão presentes nesse universo.
A predominância e divergência de cores em relação aos personagens, mostra a intenção de Damien e Linus Sandgren em relatar o que cada um estava sentindo naquele momento. O rosto de Sebastian em rosa e roxo, retrata a transformação dele perante o término do relacionamento e a ascenção como artista, a felicidade de estar apresentando a música tema dos dois e a sensibilidade por estar, pela última vez, encarando Mia. O fundo azul deixa implícita harmonia entre sua carreira e vida pessoal. O rosto de Mia em tons de azul e rosa, é a representação mais humana dos sentimentos dela em relação à Sebastian. Uma das qualidades brilhantes de La La Land é a capacidade de mostrar um Doomed Love (amor condenado) usando os artifícios de luz e cores nos vários estágios que antecedem a cena final. E na própria cena pré-créditos finais, percebemos que toda a construção dela é basicamente a essência do filme. A estabilidade de Mia quanto à sua vida pessoal e carreira de atriz e a confiança em torno dos seus sentimentos por Sebastian. O amor é uma linguagem mas não existe regra sobre qual tipo é necessário expressar, e o olhar é a única que consegue driblar a mentira. O rosa na lateral do rosto de Mia, como uma lâmpada de longe refletindo seu perfil, demonstra a felicidade em ver Sebastian realizando seu sonho e o amor que ela sente por ele, por estar em “segundo plano”, a sensação que isso passa ao telespectador é que o resquícios do que eles viveram ainda não está apagado. O fundo roxo também gira em torno da transformação de Mia pós-casamento e o quão sensível ela é dentro do Seb’s, o nome que ela sugeriu e sonhou junto com Sebastian.
A última cena de La La Land nos insere no mundo do Doomed Romance. Durante todo o filme, o tratamento das cores e luzes feito por Linus confirma o que o diretor Damien Chazelle queria que o filme representasse: Uma mágica noite azul.
Um dos mais aclamados projetos de Luca Guadagnino é Call Me By Your Name, filme ambientado no norte da Itália e que tem como estrelas principais Timothée Chalamet e Armie Hammer.
A união de Luca e Sayombhu Mukdeeprom foi essencial para o desenvolvimento da história. Baseado no livro de André Aciman, de 2007 e adaptado para cinema com um roteiro de James Ivory, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.
O cenário de Call Me By Your Name é definido como o “terceiro personagem” e se adapta perfeitamente as atuações de Timothée e Armie, além de se conectar de maneira fiel com os sentimentos de Elio e Oliver.
Nesse caso, a cena final é um mergulho na relação de Elio e Oliver e como a atuação de Timothée foi essencial para que os sentimentos do Elio de James Ivory e o Elio de André Aciman estivessem no mesmo nível.
Ao som de ‘Visions of Gideon’, Elio está em frente à uma lareira, após a ligação de Oliver e descobrir que o mesmo está noivo. Não é difícil entrar de vez no personagem com Timothée, quando a câmera foca em seu rosto e no curso de suas lágrimas, a luz das chamas iluminam gradativamente a medida em que Elio começa a sorrir aos poucos.
No fundo, é possível ver quando Annella Perlman aparece ao fundo chamando por Elio. Nem a cena em que Oliver sussurra para o garoto “Me chame pelo seu nome" enquanto um momentos íntimo acontece entre os dois, ou quando eles estão rodeados pela mais bela paisagem italiana capturada pelos olhos de Luca e Sayombhu, ou quando momentos antes da cena final, Elio sussurra “Elio, Elio, Elio, Elio" e Oliver responde “Oh, Oliver, I remember everything”, o nome do filme fica tão explícito dentro da história. Talvez esse seja o turning point de Call Me By Your Name, o êxtase que constrói todo o roteiro em um frame de quatro minutos e onze segundos.
Ao mesmo tempo em que o resultado da voz distante de Annella e a percepção do personagem quanto à sua relação com Oliver vem à tona, entendemos qual a real intenção do diretor para esse filme.
O momento em que Elio olha para a câmera e não olha para trás, ele reconhece que ali, sentado em frente à lareira, está apenas Oliver.
A primeira cena de Moonlight mostra Chiron correndo dos garotos valentões da escola. E eu preciso dizer: Barry Jenkins é um gênio.
James Laxton é responsável pela cinematografia de Moonlight e por tornar a história escrita por Barry e Tarell Alvin McCraney ainda mais real. Assim como em La La Land (2016), o uso de cores aqui, é responsável por balancear todos os personagens e suas emoções.
A infância de Chiron é repleta de cores claras e a luz do sol, principalmente por ser ambientada sob o calor de Miami. Junto à Juan, ele encontra a única figura paterna que teve a chance de conhecer, e caso ninguém tenha dito ainda: Moonlight é a representação mais bonita da descoberta da sexualidade e do amor por alguém do mesmo sexo.
O uso de back shot e front shot é essencial para que a cena final aconteça. “No luar, os garotos negros parecem azuis”, descreve de maneira simples toda a história de Chiron. A luz azul é predominante nas três fases de Moonlight: Little, Chiron e Black.
Assim como a cor encontrada em oceanos e no céu pode ser divina, quando contrastada com a pele negra se torna celestial. Para mergulhar ainda mais nesse filme: o azul de Barry Jenkins e James Laxton.
Em Little, a ausência dessa cor serve para representar a infância pobre e a dificuldade de Chiron, ainda criança, em expressar seus sentimentos. É muito comum ver amarelo, verde, laranja e branco nessa fase do filme enquanto o protagonista está fora de casa, já quando a mudança de ambiente acontece, azul, vermelho, rosa e preto reforçam a quantidade de emoções presas dentro de Chiron e Paula.
“Chiron”, é a fase de auto descoberta, onde uma das cenas mais tocantes do filme acontecem, e mais uma vez, ela acontece com a cor azul ao redor. Na primeira parte, quando Juan leva Chiron à praia, o mar se juntou aos dois no centro do mundo. Na segunda parte, quando Kevin (melhor amigo) beija o protagonista, também na praia, e percebemos a relação entre esses lugares e os sentimentos de cada personagem. O oceano é o maior refúgio de Chiron em Moonlight.
Alguns minutos antes da cena final, no reencontro de Chiron e Kevin onde a frase “You’re the only man that’s ever touched me” escapa da boca de Black, conseguimos sentir a aceitação que o personagem buscou durante todo o filme. Na última cena, quando Chiron, ainda criança aparece na praia pós pôr-do-sol, voltamos ao início, onde ele era perseguido por ser gay e depois de um desenvolvimento cheio de marcas e amadurecimento, finalmente aceita quem é. A volta ao passado escolhida por Barry é uma sólida admiração pelo Little, Chiron e Black.
Moonlight nunca foi uma história de amor, a junção das três cores principais que se destacam entre as três fases, tornam a personalidade de Chiron uma dádiva de Barry Jenkins e do Black Cinema.
Riz Ahmed foi indicado ao Oscar de Melhor Ator pelo papel de Ruben, um baterista de Heavy Metal que perde a audição durante um show com sua namorada Lou.
Dirigido por Darius Marder, a cinematografia ficou por conta de Daniël Bouquet. E para entrar na história desse filme, deixo a frase do diretor russo Andrei Tarkovsky: “Learn to love solitude, to be more alone with yourself”.
A busca de Ruben para uma cura rápida o leva à um encontro interior, a medida em que ele começa a aprender a fazer tudo sozinho e usar a linguagem de sinais. Cada frame nos conecta ainda mais com a história do baterista, já que na maioria das vezes estamos submersos nos silêncios curtos e um jogo de câmera que não desfoca do personagem principal em nenhum momento.
A narrativa de Ruben é construída em torno de sua procura incessante por uma maneira de voltar a ouvir de novo. Com um aparelho auditivo ele volta à cidade onde tudo começou e reencontra Lou. O quão diferente pode ser uma vida que já foi sua antes de algo inesperado acontecer?
Darius e Daniël nos introduzem então aos últimos momentos do filme. A euforia dos primeiros minutos em que consegue escutar qualquer barulho comum mais uma vez não existe com tanta ênfase nas entrelinhas do personagem.
O “som de metal” é o implante que não deu certo para Ruben. O “som de metal”, além de não ser apenas o gênero que o personagem tocava no início do filme com tanta paixão, nos dois minutos finais se tornam apenas silêncio. A vida de Ruben foi toda cercada de volumes altos, e ao decidir tirar o aparelho, ele também escolhe voltar à única vida que parecia real.
The Florida Project é um filme de Sean Baker e em conjunto com Alexis Zabe, esse se tornou um dos filmes mais aclamados da distribuidora A24.
Ambientado na Flórida, poucos quilômetros longe da Disneylândia e em um hotel beira de estrada cor de rosa. Moone e Halley vivem a vida mais simples que uma mãe solteira e sua filha poderiam ter, embora seja um filme sobre infância, amadurecimento e crescimento precoce, é uma mistura de elementos cinematográficos e cores que torna The Florida Project um comfort movie.
Não existe uma fórmula para descrever a narrativa da vida de Moone além de mergulhar nas aventuras dela e Jancey, e a maternidade jovem de Halley. Sean e Alexis nos fazem desfrutar de um jogo colorido entre cada frame, onde tudo é Flórida, verde, laranja e rosa.
A cena final desse filme constrói a fantasia por dentro da cabeça de Moone.
A câmera acompanha Jancey e Moone correndo entre as pessoas em direção ao castelo castelo da Cinderela em Orlando. A ausência de atenção das pessoas em relação à duas crianças entre elas mostra o quão a realidade é cruel com aqueles que vivem ao redor de um dos lugares mais mágicos do mundo — palavras de outras crianças.
A infância de Moone sempre esteve há alguns bons passos de distância daquele lugar, e somente quando sua segurança e o ambiente que conhece e estava crescendo está prestes a ruir, ela embarca nessa jornada com sua melhor amiga, Jancey. A imaginação de Moone projetou em sua realidade uma ânsia de procurar um abrigo antes do início do caos.
A fuga até o mundo mágico onde seu príncipe encantado era sua melhor amiga e seu refúgio era o único lugar onde os sonhos se tornam realidade mostra que a fantasia na mente de uma criança é capaz de trazer a sensação de liberdade.